Da Nostalgia

Heitor Rodrigues
3 min readFeb 1, 2023

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Nesse infinito janeiro de 2023 fui tomado de assalto por sentimentos nostálgicos. Não acho que o cerco vá terminar tão cedo. Na verdade, não acho que a sensação jamais me deixará. Tenho a impressão de que, para mim, a nostalgia já existia em mim antes que eu tivesse coisas por que senti-la. Foi um mês de retornos e de recomeços.

Voltei a frequentar regularmente a academia de musculação. A falta que me faz buscar aquela última repetição heróica, a sensação de expandir-se enquanto ente, de ser maior que si mesmo, o montar e desmontar grandes anilhas e colocar toda a brutalidade num lugar seguro e proveitoso. Ah! Como é bom. Lembrei-me de quando, num passado não tão distante, eu estava no auge do que já atingi, por pouco que seja perto do que ainda desejo. Parece-me que os recomeços são mais difíceis. Não sei você, mas acho que eu entendi por que o recomeço é tão desgostoso. Quando penso no que já tive, ou o que já fiz de excelente, distinto, pega-me um desgosto por não ter permanecido lá para sempre, como se fosse-me um direito natural. Ora, parece que o fato de termos tido por um só momento algo valioso nos dota da ideia de que aquilo é nosso, nos pertence pela eternidade, que é inescapável e o destino concreto. Ter por um só momento nas mãos algo que muito se quer é uma terrível maldição: nos iludimos achando que aquela boa coisa nos pertence para sempre. O recomeçar não é outra coisa que admitir que nos são escapáveis as alegrias e conquistas. Que o que foi feito já não serve mais hoje. É ver que não temos o direito de nada.

E foi quando me peguei pensando nisso, na academia, que entendi o mistério tão recorrente. Aquela fórmula que de tempos em tempos se esquece e se estuda novamente. O trabalho que se faz hoje, e amanhã deve ser refeito. A casa que após horas de faxina só aguarda pela próxima, porque tão logo fique limpa começa a se sujar.

E esse sentimento de apreço por momentos áureos, claros, limpos do passado, isso é algo que, como bem disse, tem me tomado neste mês todo. Vi outro dia uma postagem, em que se relembrava um galaxy pocket com todos os joguinhos de 2013, que fizeram parte de toda essa nova descoberta do smartphone: temple run, fruit ninja, pou, flappy bird, e o Hill Climb. Ah! O Hill Climb. Aquela pegada meio blues da musiquinha, o acelerar e frear intermináveis e que se repetem indefinidamente na pista que nunca acaba, mas que sempre começa. Tratei de baixar de novo aquele jogo e experimentar aquele gozo esquecido há quase uma década. E não parei por ali.

Procurei também aqueles títulos do Playstation 1 que tanto amei, que tanto joguei. Que saudade, que prazer. No tempo livre tenho jogado. Como é maravilhoso ver aqueles polígonos de F-14, F-22, Sukhoi-33 do Ace Combat 2. Como é bom. Joguei tanto quando era pequeno. Sinceramente? Talvez não me interessaria tanto se os tivesse conhecido hoje. Mas o gosto parecia vir justamente do fato de que era minha vida ali, minha infância, reexperimentada, viva, lívida, brotando diante de meus olhos. Eu era criança de novo. Eu experimentei de novo, com mais clareza, o que fiz tantas e tantas vezes quando era menor e não entendia o que era a vida, o que era a saudade.

A nostalgia dá esse gosto às coisas, não é? E talvez assim seja porque ela nos dá a impressão, nítida e real, de que somos uma coisa só com nossa história, com nosso passado. Não é a uma coisa estranha que a nostalgia se projeta: ela é a ponte que torna atual o passado. Ela é a cola que mantém o homem de hoje um só com o de ontem. Ela nos faz a transcendência do agora. Ela nos faz um só com o passado, tão caro, mas tão longe. Tão esquecido, mas nela tão acessível. Perdido, mas finalmente integrado.

A nostalgia faz o homem inteiro no tempo. Devolve a posse do que foi abandonado, empoeirado e sepultado pelas areias do tempo. A nostalgia nos faz completos.

Eu sou eu e a minha história. Sou a circunstância do agora, e o contexto do passado. A nostalgia me faz inteiro, como nenhuma outra coisa poderia fazer. A nostalgia é a manutenção do fogo, o reavivar das cinzas.

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Heitor Rodrigues

Heitor, 26, escrevo e leio sobre o que de interessante estiver ao alcance.